sábado, 3 de novembro de 2012

Trilogia: Cinquenta Tons de Cinza

Quase todo mundo que ouve falar fica curioso para ler, os que leram se dividem naturalmente entre amei e odiei. Os primeiros tecem comentários calorosos e os que odeiam rebaixam-o a pornô para mamães ou água com açúcar. Cá pra nós não acho que vale toda essa profusão, mas de certa forma gosto de ser uma entre os milhões de pessoas mundo a fora que leram o livro. Faz eu me sentir um pouco mais cosmopolita rsrs. Mas vamos ao que interessa...
Outro dia, antes de ler as primeiras críticas (ver outra) sobre "Cinquenta Tons de Cinza", comentava com uma amiga sobre contos eróticos e de como sentia falta de uma literatura de bom gosto nesse gênero, pois normalmente o que encontramos na internet tem teor machista e pejorativo, quando não é tipicamente sobre incesto e pedofilia que para mim são tabus que incorrem no abuso devido à vulnerabilidade emocional ou da imaturidade da parte de quem se submete. Daí lembrei de Anaïs Nin que ainda não conheço e de João Ubaldo Ribeiro, "A casa dos budas ditosos", que escreveu bem no campo erótico, no entanto, me fez sentir falta de emoção ou afetividade em sua literatura. Bem, pouco tempo depois surge o tão falado livro e arrisquei por mera curiosidade, nem sabia direito que havia BDSM e mal havia chegado nos capítulos dessa revelação e alguém comentou comigo sobre esse ton mais acinzentado.
Logo de início foi perceptível que a autora não tinha pretensão alguma de entrar para o seleto hall de grandes escritores, não era sequer necessário revelar que o livro é uma fanfiction, como estão chamando, da série Crepúsculo, pois ela leva a narrativa de forma bem despretenciosa, não posso assegurar que foi intencional, mas não será encontrado as grandes inquietudes da Françoise de "A convidada" de Simone de Beauvoir. Pois não há profundidade alguma em seus personagens. Anastasia Steele é uma jovem, insegura e inexperiente e Christian Grey um jovem multimilionário, lindo e enigmático. Típicos clichês dos romances de banca que nossas tias liam décadas atrás.
A relação deles começa com uma atração mútua e aos poucos vai evoluindo até que a verdade sobre os desejos acinzentados de Grey são revelados, Ana não assina o contrato de submissão e não se sente capaz de exercer o papel de submissa depois de experimentar um nível iniciante na prática BDSM. Nesse ponto acho que a autora mergulha totalmente no romance comum. Até então a trama tinha algo de envolvente. As sessões de dominação eram instigantes, um plus ao casal bobinho, mas que é deixado de lado pelo romantismo.
No segundo livro "Cinquenta tons mais escuros", após o rompimento de Ana, Grey se rende e desiste da ideia de dominá-la  e o que se segue é um mar de declarações de amor, apresentação aos pais e à sociedade e blá, blá, blá. Depois surgem duas ex dele, sua iniciadora que no momento é sua amiga e sócia e uma submissa que pirou por causa de uma trama mal elaborada e que compra uma arma e passa a ser uma possível ameaça ao casal. Nisso já mergulhamos totalmente no mundo dos clichês românticos e após a subpirada ser internada, Ana faz juras de não abandonar Grey mesmo descobrindo o segredo que o tornou um dominador.
A autora consegue não usar das vulgaridades, dispensáveis, quando narra as cenas eróticas. Em contra partida o excesso de romantismo faz o livro ficar maçante. Também peço e imploro que alguém escreva algo realmente relevante para a mulher contemporânea, algo que não a faça repudiar as atitudes da personagem central, pois Grey vive dizendo a Ana que ela lhe pertence e ela admite e ainda reforça essa ideia. Talvez eu esteja indignada devido aos tantos casos de mulheres vítimas de violência por parte de seus cônjuges e essa ideia de pertencer me faz pensar que quem possui pode dispor como bem desejar de sua propriedade. E isso é mais intolerável para mim do que as sessões de BDSM, acho que porquê na verdade como tem sido analisado pela crítica o nível que é apresentado no livro é para iniciantes o que o torna aceitável para nós leigos. São palmadas, chicotadas, vendação, imobilização e etc., nada que simples mortais não já tenham feito. Mas a submissão psicológica, a simples declaração de pertencer a outra pessoa soa muito mais perigoso para mim.
Bom, nisso meu desejo de ler uma literatura adulta, feminina e de bom gosto fica adiado, quem sabe só em "Cinquenta tons de liberdade"? Mas tenho minhas dúvidas.

Nenhum comentário: