
Nesse
embate de determinação dos papéis sociais de acordo com o sexo, na tentativa de
criar barreiras que impeçam que o indivíduo se afaste do ideal que foi
estabelecido como norma para seu comportamento, surgem as ações estigmatizadoras
dos “desvios”, por exemplo, de mulheres que não se identificam com a
maternidade e optam por não ter filhos e de homens que realizam os trabalhos
domésticos enquanto suas mulheres exercem atividade remunerada fora de casa. Pois a
normalização social entende que eles não cumprem ou inverteram seus papéis e
isso vai de encontro às concepções que historicamente definiram a divisão
social do trabalho a partir do critério do sexo em acordo com os aspectos
culturais e que delimitaram as atividades próprias para homens e mulheres. Um
bom exemplo é pensar que inicialmente a docência era uma atividade
exclusivamente masculina e que ao longo do tempo foi passando a ser uma
atividade dominada por mulheres e hoje o senso comum entende que um homem não
teria "jeito" pra lidar com crianças e portanto não vemos homens
atuando nas séries iniciais ou na educação infantil. Essas concepções foram criadas
a partir do determinismo biológico que reservou à mulher, devido à sua
capacidade de gerar filhos, as funções de manter os cuidados com a família e as
tarefas domésticas considerando que seria sua aptidão natural lidar com
crianças por ser a geradora.
Remetendo
à socialização que favorece os estigmas relacionados à distinção dos papéis
sexuais basta pensar em como somos levados desde muito pequenos a reproduzir o
modelo social que reforça o comportamento de acordo com o sexo quando somos
presenteados com coisas de meninos ou coisas de meninas e que farão parte das
nossas teatralizações da vida adulta. E nesse faz de conta meninas vão se
habituando a usar panelinhas, fogões, bonequinhas e vai internalizando uma
competência para maternidade, para qual se entende que possui aptidão inata por ser mulher e não porque
foi socialmente levada a desenvolver. Já os meninos começam pouco a pouco a se
envolverem com "o mundo dos homens", do poder e da força, e para
aprender a lidar com ele recebem carrinhos, jogos e materiais esportivos e são
desencorajados a brincar com bonecas ou a desenvolver atividades ligadas à arte
e a subjetividade e são muito reprimidos quando demonstram alguma fragilidade.
Já
no campo da sexualidade o comportamento machista é reforçado desde a infância
de tal forma que as mães, portanto mulheres, conduzem a educação dos meninos
para a liberdade sexual que desaprovam nos seus maridos. E para elas é
“natural” que o menino seja conduzido a ter uma namoradinha em cada lugar
social que frequenta, como a escolinha, a clínica pediátrica, o clube, o bairro
e etc., devido à concepção de que ele deve se “comportar como homem” desde
cedo. Já a menina é tolhida desse comportamento e orientada para a iniciação
sexual tardia e o relacionamento monogâmico. Essa postura familiar é uma
contribuição direta à privação da liberdade sexual feminina, pois além de
internalizar nela que não possui o direito de buscar relações sexuais por
prazer e que deve se reservar aos papéis de esposa e mãe, também influencia a
mulher a querer manter a qualquer custo um relacionamento ainda que ele não
seja satisfatório ou que represente risco à sua integridade física e emocional.
E assim,
mulheres acabam sendo as principais vítimas de crimes passionais, devido também
a condições sociais e étnicas que desfavorecem a sua possibilidade de
independência financeira, pois grande parte não possui renda ou escolaridade
que lhe garanta a sobrevivência já que são educadas, ainda hoje, para esperar no
casamento ser provida pelo marido e por isso, mesmo quando denunciam a
violência doméstica acabam voltando para casa até que são mortas. Mas esses
crimes, apesar de repercutirem caem no esquecimento, à exceção dos mais famosos
pela crueldade ou pela publicidade da vítima ou do agressor, e até penso que
criam a sensação de naturalização quando deveriam na verdade chamar a atenção
para a condição de desigualdade entre os sexos e nas relações de poder
historicamente construídas que remetem a mulher à condição de inferioridade
social ao homem.
Organismos
sociais como algumas religiões e a família difundem ideias que submetem os
indivíduos que “desviam” da norma a grande sofrimento emocional, psíquico e
físico, por não tolerarem suas diferenças. E além de imperar como controle
social o preconceito e a violência tanto simbólica quanto física culminam nas
reações machistas e homofóbicas contra mulheres, homossexuais e outros grupos
apontados como desviantes. Assim, os papéis historicamente definidos
distintamente para homens e mulheres foram demarcados a partir da cultura e da
divisão social/sexual do trabalho e nem sempre condizem com a identidade de gênero
do indivíduo, que apesar de possuir o sexo biológico definido culturalmente
para agir, pensar e sentir de determinado modo sente identificação com o
comportamento do sexo oposto ao seu. Portanto, ser homem e ser mulher envolve
dimensões além do determinismo biológico, pois são construções
que serão influenciadas pela identificação do indivíduo com a cultura e a
socialização.
Referências
COSTA, A. A. A. A construção do pensamento feminista sobre o "Não-poder" das mulheres. In: As donas no poder. Mulher e política na Bahia. 1. ed. Salvador: Assembléia Legislativa da Bahia/NEIM-UFBa, 1998.
Gênero: uma categoria útil de análise histórica - Joan Scott.
Identidade de Gênero e Sexualidade - Míriam Pillar Grossi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário