
A novela se chama “Guerra dos
Sexos”, segundo soube é um remake, o
próprio nome já é uma ofensa a ouvidos perspicazes. Desde quando devemos estar
em guerra contra o sexo oposto? Isso dá a ideia de que não somos iguais em
direitos e que mulheres e homens estarão eternamente lutando para que um se
submeta ao outro. Mas ainda não é essa a questão central.
O
que me impulsiona é a cena em que o personagem Nando (Reynaldo Gianecchini), que me pareceu ser o protagonista (me
perdoem se não o é, pois como disse não assisto a novela) que normalmente é o “mocinho”,
um homem romântico, “o cara” legal, o genro que toda mãe gostaria de ter, e
como tal tem suas atitudes tidas como boas. Pois bem, traçado o perfil do
personagem voltemos à cena de ontem em que este personagem batia furiosamente à
porta da casa da sua noiva e gritava ferozmente para que ela a abrisse. Ele
estava irritado, falava de forma grosseira e fazia o maior “barraco”. Os
vizinhos começaram a reclamar do barulho e a dizer que chamariam a polícia e
ele respondeu perguntando se eles nunca haviam brigado com a noiva e ninguém
mais se intrometeu. Em seguida continuou a gritar para que a Juliana abrisse a porta
e sem resposta dela acalmou a voz e pediu com mais paciência para conversar com
ela. Como ela não o respondeu ele arrombou a porta e entrou dizendo mais ou
menos - “Olha aí! ta o vendo o que você me fez fazer? Agora vai custar um
dinheirão consertar isso”. Calma! Não se desesperem como eu, Juliana não estava
em casa e ele apenas encontrou um bilhete dela rompendo a relação.
Garota
esperta, né? Infelizmente, não! Pois, por mais que tudo isso fosse suficiente
para que ela não quisesse mais um relacionamento com ele, a naturalização do
comportamento masculino violento será justificado pelo “amor” à sua noiva. Pela
paixão que nutre por ela e certamente no final dessa trama eles viverão felizes
para sempre.
Não
sei se é necessário questionar as falas e atitudes do personagem, para mim está
tão claro, que nem sinto vontade de comentar. (Né, Laura Charlene? rsrs). Mas
vamos lá! Ao refletir sobre a cena que assisti e a realidade que presencio, me entristece
saber que por ser assim mesmo não posso sequer me indignar contra a cena já que
novelas nada mais são do que o reflexo do nosso cotidiano e da nossa marca
cultural. No entanto, me questiono sobre a apresentação naturalizada de uma
prática que precisa ser criticada. Pois não há nada mais certo que o poder de
atingir as massas que a rede Globo detém. Vejamos se me faço entender, é que se
fosse algo referente à liberdade de expressão de grupos tidos como minoria a “opinião
pública” conservadora exigiria que algum personagem morresse para pagar os seus
pecados, mas Nando apesar de ser pobre é um homem, portanto pode arrombar a
porta da casa da noiva e ficar impune. E pior, essa cena sugere que os homens
que agem assim não são vilões, na verdade eles são homens bons movidos pelo “amor”
que sentem pelas “suas” mulheres e vão lutar pelo seu “sentimento”, pois estão
sofrendo por amor. Agora preciso explicar tantas aspas já que a ironia é uma
marca difícil de imprimir. O que entendo nessa relação é que esse “amor” dele é
por si mesmo e que pensa nela como “sua” propriedade e seu “sentimento” é de
orgulho ferido por ela não o querer mais. E que Nando deveria ser preso,
repudiado pelo seu núcleo de personagens da história, responder criminalmente pela
violência que praticou e sua noiva não deveria perdoá-lo, como forma de difundir
que as mulheres possuem direitos e que atitudes violentas não podem ser vistas
como expressão do amor masculino, mas como agressão ao Direito da mulher e que a
atitude do personagem feriu o Art. 7º da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006,
conhecida com Lei Maria da Penha, que diz que a violência patrimonial é uma violência doméstica
e familiar contra a mulher.
Que
os autores continuem a difundir essas ideias é até cabível, falta de bom senso
e de compromisso com mudança social a gente vê por aqui. Mas apesar de ser
ficção, volto a dizer que novelas são reflexos do nosso cotidiano e como tal
reproduzem valores e ajudam a mantê-los e ainda que não se pretenda quebrar o
clima da ilusão que também é sua marca, já que o entretenimento é o que se
busca por parte de quem as assiste é preciso questionar essas práticas.
E
para isso concluo propondo que pensemos em quantos “nandos” existem por aí e
que eles são vítimas de nós mesmos. Vejam como Nando pergunta “viu o que você
me fez fazer?” Ele entende que foi levado a isso por Juliana que não soube agir
de forma que evitasse que ele se expressasse daquela forma. Mas, não acreditem
que penso que a culpa é dela, pois quando penso nos “nandos vítimas de nós
mesmos” me refiro à nossa sociedade que impõe que eles hajam desde meninos como
“homens” e na nossa sociedade um homem não é educado para demonstrar e agir com
sensibilidade, “isso é coisa de mulher”. Educam-se os homens para não externar
como se sentem em relação às suas emoções, são proibidos de chorar, não podem
demonstrar fragilidade e quando adultos a falta de capacidade de verbalizar o
que sentem os levam a se expressar com violência. Meu pedido é de que pensemos
em “nandos vítimas de nós mesmos” como forma de parar de impor comportamentos
machistas às nossas crianças para depois puni-las por agirem como foram
incentivadas desde pequenas. Meu pedido é de que parem de querer criar jogos de
meninas contra meninos, de proibir que homens chorem e de fazer das nossas
vidas um campo de guerra entre os sexos.
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